O que une ou dispersa as massas é sempre o impulso de algo não
representável com clareza, espécie de força cega que agrega os
indivíduos ao modo de justaposição acidental, ou seja: dá-lhes certa vertigem de unidade epidérmica, superficial, que não resistiria a uma
inquirição mais aprofundada, pois o
pressuposto básico da verdadeira unidade jamais pode sustentar-se em
algo tão divisível ou multiplicável quanto o agregado numérico de uma
multidão vociferante. Em suma, indignação política feita com palavras de
ordem altissonantes — entoadas por pessoas adestradas por reflexos
condicionados a slogans — sempre foi, historicamente, o fermento
perfeito para trocar uma situação ruim por outra pior.
A
violenta espontaneidade da massa traz consigo o furor irrefreável de
prevalecer, crescer a qualquer custo, continuamente imantando novos
elementos, mesmo que estes não tenham a clara consciência da bússola à
qual aderem, e o melhor mesmo é não terem. Como escrevera Elias Canetti
em “Massa e Poder” — livro fundamental para quem queira olhar a situação
presente no Brasil com mínima argúcia —, a massa aberta existe enquanto
irracionalmente cresce, e a sua desintegração começa quando deixa de
crescer. Acrescentaríamos nós: a massa faz-se e desfaz-se com a
plasticidade das meias idéias, dos ideais fabricados. Num dia destrói
coisas, faz grande barulho, e logo é notícia de jornal velho, bom para
embalar peixe. No entanto, não raro os malefícios deixados por essas
massas teleguiadas deixam seqüelas anticivilizacionais insanáveis a
longo prazo.
É evidente que os contemporâneos engenheiros
sociais aprenderam muito com as lições do passado, e hoje dispõem de
técnicas para catalisar as insatisfações da massa e utilizá-las em
benefício dos seus objetivos de poder, ou melhor, de manutenção no
poder. E mais: como o padrão de consciência crítica do povão é próximo a
zero, é possível a qualquer governo maquiavélico, como o atual do PT,
inventar uma oposição ilusória ao “status quo”, falsamente apartidária,
para manter-se no comando — com o trabalho, por exemplo, de movimentos
como o “Passe Livre”, que está por trás das manifestações de “revolta”
contra os preços das passagens dos transportes públicos e, segundo
noticiou o jornalista Reynaldo Azevedo, é indiretamente bancado pelo
Ministério da Cultura e pela Petrobras, via Lei Rouanet. A retirada de
informações no site da ONG que banca o “Passe Livre” e as explicações da
Petrobras foram como batom na cueca. Mas somemos a tais coisas o
luxuoso auxílio da “oposição” de partidos como o PSOL e o PSTU, que ao
fim e ao cabo ajudam a manter as coisas impermeáveis a qualquer oposição
verdadeira.
No que tange aos organizadores de eventos como os
que vêm sacudindo o país, trata-se de gente paga para revoltar-se e
protestar. Ora, venhamos e convenhamos: revoltosos remunerados são muito
mais eficientes para arregimentar novos soldados! Mas não quaisquer
soldados, e sim aqueles do lupemproletariado de que falava Marx, com a
diferença que os novos “lupem” são de classe média, alguns até de classe
média alta, como é claramente perceptível nos vídeos hoje disponíveis
no Youtube e nas redes sociais a respeito dos tristes acontecimentos
recentes, no Rio e em São Paulo.
Graças à espertíssima elite
que hoje nos (des)governa, o Estado brasileiro transformou-se numa
grandiloqüente obra de arte manipuladora das massas. Ele está ali por
trás, manietando inocentes ou idiotas úteis que têm a vertigem, a
sensação ilusória de protestar contra o governo, contra o lastimável
estado de coisas, o qual será mantido, tenhamos a mais absoluta e
acachapante certeza!
A “segunda-feira branca” de hoje
estampará as manchetes dos jornais de amanhã, dominará totalmente o
noticiário seja qual for o seu resultado prático — com ou sem violência.
Terá um lacrimogêneo efeito cênico sobre a população em geral, catarse
física exercida pelas massas em frêmito sobre os indivíduos que precisam
de uma ideologia para viver. Mas passará despercebido da maioria o fato
de que essa "segunda-feira branca" tem como motor a mais fina demagogia
política que apaga as consciências e as torna escuras, débeis, sem luz.
E faz isto direcionando-as a algo que está muito abaixo das
verdades, dos princípios e das ações que verdadeiramente poderiam mudar o
panorama.
Sidney Silveira / Convidado do Távola "Quadrada"
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